Calibã e a bruxa foi o meu livro de 2019. Nunca tinha marcado um livro antes, mas enchi de post-it de tantas passagens importantes que rolaram para mim.

Em resumo, o livro fala do período de transição do feudalismo pro capitalismo e dá uma contextualizada incrível. Fala de como vários fatores (como peste negra, cercamentos, filósofos da época, algumas revoltas, etc…) influenciaram o momento e culminaram no maior (ou num dos maiores) genocídio: a Caça às Bruxas, que rolou na Europa e foi exportada à América.
Me fez questionar ainda mais o que chamamos de propriedade privada, mas teve um outro efeito mais forte em mim: me reaproximou de um lado espiritual que escondia de mim.
Antes um breve histórico: desde muito nova me interesso por astrologia, tarot, mitologias, religiões ligadas a natureza, bruxas, etc… Mas enquanto crescia via como as pessoas tratavam isso como uma fantasia, como perda de tempo (pelo menos ninguém veio me encher falando que era pecado) e fui deixando de lado. Depois entrei na USP, onde o método científico reina (além de alguns egos) e qualquer menção a coisas místicas (fora de aulas e da pesquisa) era tratada como besteira. Tomei para mim que não deveria gastar mais tempo com isso.
Alguns anos já fora da USP o interesse voltou e retomei leituras sobre o assunto, mas sempre me sentindo envergonhada, escondida, era um guilty pleasure. Não que as pessoas ao meu redor repudiassem isso (bom, algumas ainda sim), mas como uma pessoa que gosta de ciência, meio ambiente e tecnologia e trabalha com isso, achei que essa parte mística não fazia o menor sentido e me prejudicaria de alguma forma.
Depois da leitura ressignifiquei muita coisa. A Magia é uma forma das pessoas buscarem mudanças na sua vida e no seu redor. Funcionando ou não, a perseguição a magia faz com que as pessoas percam seus símbolos de como elas podem mudar as coisas, algo muito forte em momentos de repressão. A única forma socialmente aceita seria através da Fé Institucionalizada (como a Igreja), que acaba se fortalecendo.
Como a mentalidade do produtivismo estava sem instalando, qualquer coisa que não produzisse alimento ou mercadoria não era incentivada. Veja como a sociedade valoriza cultura e arte, no geral e não só a do museu. Os conhecimentos populares e/ou mágicos também poderiam dizer que alguns dias não eram bons para trabalhar, mas isso foi sendo quebrado, já que o capitalismo não dá descanso (se continuarmos assim não duvido que em breve achem um jeito da gente produzir enquanto dorme), todo dia é dia de produzir.

Outro ponto é a forma “correta” de se fazer ciência que também é determinada. O método científico ainda é um método muito válido e importante, nos permitiu avanços surreais comparados a Europa do Séc. XV, mas excluiu saberes populares que não poderiam ser testados pelas técnicas da época. O mecanicismo considerou que tudo é composto por peças de uma grande máquina, logo cada peça é substituível. Nem vou entrar na implicação que isso tem na nossa forma de lidar com o meio ambiente. As pessoas são substituíveis. Também temos a figura do pesquisador que começa a ser moldada, que é um ser que se baseia apenas na razão e nas evidências. Ou seja, não é um ser humano com falhas, vieses inconscientes ou até mesmo com intenções subjetivas em relação a seu objeto de estudo.
Todos esses sentimentos já estavam dentro de mim, mas de forma desorganizada. O Calibã e a bruxa pois ordem em como todas essas coisas se interconectam e nos influenciam até o dia de hoje. Entendi o quanto menosprezar a espiritualidade que vem de cada um de nós, da forma que que for (contanto que não cause dano a ninguém), pode nos abalar. Entendi que apesar da ciência ser essencial para tomarmos decisões e entender melhor o mundo, ela não exclui que a gente veja o mundo de uma forma mágica, subjetiva, artística.
Há mais 500 anos estamos vivendo ecos de uma época em que mudamos nossa lógica de sociedade. Tenho a sensação que não tá dando muito certo e vamos precisar entender de onde vieram todas essas ideias pré-definidas para tentar melhorar, individualmente e especialmente como sociedade. Sugiro que você dê uma chance a esse livro lindo da Silvia Federici. Se você é mão de vaca como eu, você pode baixar de graça o PDF oficial do livro: https://coletivosycorax.org/traducoes/ (não é pirataria, é feitiçaria 🤦 – Sycorax é o coletivo que fez a tradução para a versão brasileira e a autora permitiu a distribuição gratuita).
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Que reflexão foda!!! Cê sabe que to enrolando pra ler esse livro pq to filtrando o conteúdo pra manter a sanidade, mas acho que ele é exatamente o que eu preciso agora. OBRIGADA por esse post!
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