O que desaprender com “Prof. Polvo”

Eu assisti duas vezes o filme/documentários “Professor Polvo” (My Octopus Teacher) da Netflix. Adorei, chorei, achei incrível e muito bonito. Vejo pontos muito positivos como:

  • imagens lindas do ambiente marinho
  • narrativa envolvente sobre a vida marinha
  • aproxima a audiência e faz ela empatizar com animais não-mamíferos,
  • narração sensível
  • etc…

Mas tem alguns pontos que valem a pena discutir:

Manipulação de fauna silvestre

O narrador (Craig) que é o protagonista humano do filme, não questiona em nenhum momento a forma como ele fuça a Natureza a seu redor. O documentário pode estimular que qualquer pessoa sem formação ou preparo fique a vontade para manipular vida selvagem. Não façam isso! Não sai por ai mexendo em polvos, pássaros, macacos, cobras, baleias, caranguejos, tatus, pacas, cutias, etc…

Essa interações podem ser estressantes ao animal, podem colocar em risco a nossa vida caso e a deles. Manipular animais também pode causar a transmissão de doenças, como vírus, bactérias e ou outros microrganismos que com potencial patógeno, que podem causar doenças. Interagir com eles faz com que se acostumem com a gente, com isso esse animais podem ficar mais próximos de humanos e sofrer com maus tratos, atropelamento ou contaminação por algum poluente.

Se tiver alimentação por humanos pior ainda. Nossa comida pode causar problemas gástricos. Por exemplo: alimentar peixes com pão pode causar um grande mal-estar já que o pão inchar dentro do sistema digestório deles. Caso esses animais comecem a se alimentar apenas de comida humana, eles deixam de fazer seu papel ecológico seja se alimentando de vegetais, distribuindo sementes ou predando outros animais.

Visão Antropocêntrica

A narrativa é extremamente centrada em humanos (antropocêntrica). A todo momento o narrador atribui pensamentos, sentimentos e atitudes para ela(polvo) como se ela fosse uma humana com questões humanas. Uma coisa que é muito difícil é saber como outra espécie pensa.

Se todos os animais pensassem como humanos, a gente poderia estar sendo criado como gado por algum outra espécie para se alimentar de nós ou pra trabalhar pra ela. Poderíamos estar em guerra eterna com outras espécies que desejariam nos controlar e lucrar sobre nós.

Assumir que outras espécies enxergam e sentem o mundo e os eventos como a gente é um passo um tanto arrogante quanto perigoso.

Egocentrismo do narrador

Toda a história é também muito centrada no narrador. Quando ela que perde um membro, mas ele sente como se ele mesmo tivesse se machucado. O narrador sente a necessidade de sentir tudo o que acontece com a polva. Uma vontade de ser onipresente e onisciente. Tudo parece ser sobre ele: o que ele aprende, o que ele sente, o que ele faz por ela, como ele a salva depois do ataque…

Claro que considerando que é um produto feito por humanos para humanos e que a gente não compreende a linguagem dos polvos ficamos com poucas opções. Porém o narrador não percebe o exagero de se colocar sempre como o centro do acontecimento.

Descolamento da sociedade

O narrador tem uma grande dificuldade de se entender como parte da sociedade e da sua família. Ele não reconhece o quão privilegiado ele é num mundo em que muitos passam fome enquanto ele pode tirar um ano pra mergulhar. Apesar de trabalhar como cinegrafista que já é um trabalho para poucos, ele se sente extremamente desgostoso. O que não é um problema em si, mas faltou olhar para isso de uma forma mais consciente do que acontece no resto do mundo.

Um dos pontos que o narrador trás como problemas no começo do documentário é que ele está com problemas na sua família. Ao invés de buscar formas de lidar diretamente com isso, ele escolhe mergulhar sozinho todos os dias e ignorar o que passa na sua família. No final ele atribui a essa fuga pra Natureza como o que o reconectou com seu filho.

Comportamento indesejado

O fato de ser um polvo-fêmea traz uma camada que talvez apenas mulheres tenham notado. O homem segue a polva até ela aceitar sua presença. Se você já passou por isso, sabe como é um assustador alguém que na sua cola que não te deixa confortável. Imagina um ser pelo menos dez vezes maior que você te seguindo todo dia. No mínimo assustador.

Salvador branco

O filme termina com um viés de salvador branco. O Complexo de Salvador Branco compreende uma visão de que homens e mulheres brancos podem mudar a realidade de pessoas e animais vulneráveis apenas com seus esforços individuais, mesmo ignorando os conhecimentos das comunidades tradicionais, aborígenes e nativas. É uma visão colonialista e individualista que deixa de fora fatores estruturais e sistêmicos que causam os problemas.

Em Professor Polvo, depois do narrador entender como a natureza é linda, resolve fazer uma organização para salvar a Natureza. Mas ele ignora (ou não cita) ações já existentes e não há nenhuma menção sobre povos originários da África do Sul. Será que era necessário ele criar mais uma organização para defender a Natureza, o ambiente marinho? O que ela muda no sistema que causa o distanciamento das pessoas em relação à Natureza e a destruição de ambientes?

Enfim…

Ainda temos uma visão muito colonizada sobre o que é natureza, de como podemos viver sem destruí-la e de como podemos mudar isso. Levei um bom tempo para enxergar esses pontos que destaquei. Nós estamos acostumadas a ver histórias assim, nós gostamos de histórias assim, mas temos que ver que muitas vezes essa zona de conforto faz com que tudo continue do mesmo jeito e a gente caia nas mesmas contradições que mantém os problemas que gostaríamos de resolver.

Espero que em breve venham produções tão envolventes e sensíveis quanto Professor Polvo com um viés menos antropocêntrico, menos colonial e menos individualista.

Se quer mais sobre esse assunto tem o vídeo da Maggie Mae Fish que me ajudou muito a amarrar esses pontos

Confira no twitter.


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