Sabotando a impostora

Nos últimos anos a tal da Síndrome da Impostora tem aparecido em muitas conversas. Às vezes no masculino, outras como sabotadora, etc… É algo comum em minorias e tem sido cada vez mais discutido em grupos de mulheres. Esse fio no Twitter explica um pouco como o fenômeno pode acontecer:

https://twitter.com/laizadoceu/status/1287156832633577474 [arquivado]

Por fazer muitas coisas diferentes e espalhadas por ai, volta e meia me bate a sensação te estar sendo inútil e de não conseguir realizar o que quero, um medo imenso de não conseguir pagar as contas e me ferrar porque fui me meter de trabalhar por conta própria ao invés de achar um emprego bom e estável (o que também nem sei se existe mais) em alguma empresa que garanta uma grana no fim do mês.

Até na hora de escrever esse post fico me questionando quem sou eu pra ficar falando de um assunto que não sei muito bem (eu também penso isso ao falar de oceanografia, um bacharelado não foi o suficiente pra apaziguar essa sensação). Então segue um aviso legal: não sei do que que falando, mas queria contar como tem sido minhas estratégias para lidar com esse medo de ser descoberta como uma impostora a qualquer hora.

O calo que me dói

Eu fico buscando as causas e origens das coisas, pelo menos por curiosidade. Tenho a impressão que os meus gatilhos de me sentir uma farsa são muito relacionados a eu não ter valorizado o que já fiz antes. E isso pode vir de algumas formar.

Se eu acho que algo que hoje faço com mais tranquilidade foi porque eu sempre tive uma habilidade inata, uma facilidade, etc… isso vai me levar a acreditar que eu só sou capaz de fazer coisas que eu tenho facilidade. Quando pego algo novo e não dá certo das primeiras vezes logo acho que não sirvo pra fazer isso.

Se eu acho que consegui realizar algo porque contei com a ajuda de algumas ou muitas pessoas, isso vai me levando a acreditar que só aconteceu porque eu achei as pessoas certas, sem elas as coisas não acontecem. Temos que reconhecer que a gente depende dos outros pra fazer coisas importantes aconteceram, mas temos que reconhecer a nossa participação. Mesmo estando em posições de coordenação geral de alguns projetos, fazendo planilhas, cronograma, ligações, reuniões, relatórios, etc… achava que não tinha contribuído de fato pra realização deles.

Se acho que só recebi elogios porque as pessoas querem ser simpáticas comigo, eu vou ficar sempre duvidando tanto da qualidade do meu trabalho quanto da honestidade das pessoas. Aceitar elogios é algo que muitas mulheres tem dificuldade. Quanto receber um elogio, aceita ele e não arranja desculpa para você não merecê-lo. No começo é ruim, mas depois você vai lidar melhor.

Demorei muito para entender o que eu tava fazendo comigo mesma. Precisei de muitos anos de terapia, um processo de coaching, algumas mudanças profundas na minha vida, encontrar uma rede de apoio linda de morrer, ler mais sobre sociedade, etc… E não foi nada logico e objetivo para chegar aqui. Tava no escuro esbarrando numas coisas tentando me virar com a vida.

Bullet and the bullseye

Em 2017 eu comecei a me deparar com a galera do Bullet Journal (BuJo). Resumidamente Bullet Journal é um método para organização em que você lista se organiza usando alguns símbolos bem simples para se organizar. O disseminador do método era bem desapegado de estética, mas muitas pessoas criam bullet journals que são lindíssimo. No fim das contas, o método relembra que as pessoas podem criar agendas da forma que elas desejarem.

Eu fiquei super impressionada com a galera do Bullet Journal: “Caramba, essas pessoas fazem uns cadernos para se organizar que são lindos! Talvez se eu fizesse um assim eu ia ser mais organizada e ia ter um Bullet Journal lindo”.

[Pausa para rir das minhas expectativas artísticas]

Me empolguei, comprei umas canetas bonitas, estudei uns opções de organização, comprei um caderno pontado bonito e até que foi. A parte da organização até melhorou, já a parte artística/bonita… fica pra próxima vida.

Comecei a perceber que eu me dava melhor com o BuJo do que com a agenda, porque no BuJo só tinha as seções que eu realmente usava (às vezes, uma ou outra ficava abandonada). Nas agendas que comprava prontas isso me incomodava muito, dava a sensação que eu tava usando a agenda da forma errada. É nóia minha, mas me deixava menos animada em usar ela.

O mais importante foi anotar as tarefas que tinha pra fazer no dia ou ir anotando as que ia fazendo. Em vários dias eu ficava surpresa com o quanto de coisa tinha feito. Percebi que eu facilmente esquecia o tanto de atividade que fazia num dia, quando chegava no final da semana achava que não tinha feito nada e tinha a sensação que passei a semana enrolando. Já quando usava o BuJo/Agenda eu olhava pro que tinha feito na semana e me sentia melhor por saber que eu tava fazendo o que precisava.

Planejamento Selvagem

Eu não tenho uma consistência de trabalho. Algumas semanas eu trabalho horrores e outras eu faço o mínimo ou menos que o mínimo. Ter registrado essas flutuações me ajudou a ver que tava tudo bem não ter conseguido terminar algo ou me dedicado tanto quanto queria numa tarefa. Em outras semanas já tinha feito mais do que o esperado e essa energia voltaria em breve.

Algumas agendas consideram isso como a Mandala Lunar, onde é possível registrar aspectos físicos e emocionais ao longo do ciclo lunar. Tem também o Planejamento Selvagem elaborado por Barbara Nickel e Mariana Bandarra inspirado no livro “Mulheres que correm com os lobos” (Clarissa Pinkola Estés). Essa visão de que a gente não trabalha com o mesmo ritmo todos os dias, veio muito forte de e em movimentos de mulheres.

Ter uma ferramenta para registrar e entender que tá dentro do meu “normal” um dia trabalhar 15 horas (mas não sempre, é super raro. A média tem ~5h por dia na pandemia) e no outro conseguir apenas fazer o básico me ajudou a colocar as coisas em perspectiva e ser mais realista com o quanto eu consigo trabalhar. Com o tempo fui pegando outras referências de organização, testando algumas formas de como usar meu BuJo, quais seções queria nele, quais não faziam sentido e em 4 anos já to bem satisfeita com a minha configuração.

Revisão mensal

Uma coisa que tenho gostado muito, especialmente nessa época de pandemia, são as revisões mensais. No começo de um mês (como hoje) eu pego para atualizar minha planilha de finanças, pagar os boleto os mês e destacar as coisas mais legais que fiz e fazer um ou dois parágrafos de como foi aquele mês. Até porque todo dia parece o mesmo dia nesse modo de vida quarentenado.

Enquanto fazia isso hoje percebi o quanto essa revisão muda minha percepção sobre mim e as coisas que faço. Já tinha esquecido de vários pepinos que resolvi no mês anterior, relembrei algumas coisas que foram difíceis e mesmo assim consegui superar, acontecimentos que hoje podem não dar em nada, mas que talvez reverberem no futuro.

Parece que tendo a esquecer o quando de esforço algumas coisas me custaram. Despois que elas estão feitas, eu olho para elas como se elas fossem as mais fáceis do mundo. Essa revisão, num período de tempo em que consigo resgatar esses sentimentos e me valorizar por ter lidado com eles, me ajuda a ver o quanto eu tenho forças para fazer o que preciso e quero.

Ter um lugar para olhar para últimas semanas e que no final do ano eu possa olhar para tudo o que fiz, me ajuda de alguma forma a seguir em frente. Um lugar onde eu coloco coisas que são difíceis para mim (como marcar dentista) ou só triviais e ver que consegui dar conta delas em faz ter uma visão do que eu to passando e de como eu tenho lidado com minhas tarefas.

Processo >>> Ferramenta

Não quero que a mensagem final seja “o BuJo mudou minha vida”, mas sim que olhar para o que tenho feito me fez valorizar muito mais meu trabalho. As vezes a gente tá olhando tanto pra fora que não sabe o que é importante para gente. Tanto faz se é no papel, no digital, num caderno bonito, nas folhas de almaço esquecidas. O mais importante é ter um registro do que te importa para te ajudar a se entender.


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