As crianças não vão nos salvar

Passado o Dia das crianças, queria falar um pouco sobre ação ambiental e crianças. O público mais amado, mais legal e divertido pra se fazer atividades de educação ambiental são as crianças (começa a complicar quando vira pré-adolescente ou adolescente, socorro! hahaha). Existem muitas atividades, livros, museus, filmes voltados especificamente pra tratar de educação ambiental para crianças.

É uma das coisas mais gratificantes falar sobre biomas, animais, processos do nosso planeta pra esse público. Os olhos brilham, perguntas maravilhosas surgem, causos divertidos são compartilhados. Quando falamos dos impactos pelo nosso modo de vida, as crianças rapidamente entendem que precisamos mudar, que separar o lixo é um esforço tão pequeno perto de toda a vida que estamos protegendo ao fazer isso.

Já me emocionei muito nessas atividades. Quando trabalhei com educação ambiental sobre lixo no mar, tinham vários desafios de lidar com pessoas tão novas, mas ver como elas aprendiam e se interessavam pela Natureza era de aquecer o coração e dava vontade de continuar, mesmo o salário sendo um pouco triste (kkkkrying).

Mesmo assim eu não me animo mais de fazer educação ambiental voltada pra crianças (não quero dizer isso deve acabar, ou que seja contra, etc…, mas para minha pessoa isso faz pouco sentido de fazer no momento).

Responsabilidade

Nas reflexões com colegas de educação ambiental, uma hipótese se formou: as crianças são mais abertas a aprender e se sensibilizam por que não pagam boleto. Explico: é muito fácil ter disposição para mudar seus comportamentos quando são poucas as suas responsabilidades. No momento em que você começa a se preocupar com o custo da sua vida e da vida de seus familiares, a sua energia é voltada em gerar a melhor qualidade de vida no curto e, se possível, no longo prazo também.

Tirinha de Kasia Babis. Um bebê ao nascer recebe a mensagem: “Parabéns, você nasceu. Aproveite o seu teste grátis. Custa dinheiro viver.” O bebê responde: “É um golpe. Me coloque de volta”.

Como as mudanças climáticas não são um problema muito claro e tangível para muitos adultos é mais difícil de engajá-los na mudança de comportamento. Existem também várias barreiras psicológicas que podem atrasar nossa ação climática. Mesmo assim isso não deve ser motivo para esperarmos as crianças agirem e resolverem os problemas já criados.

Poder

Estamos num mundo em que cerca de 69,8% dos parlamentares têm mais de 45 anos, mesmo que esse grupo (45+) represente apenas 30% da população. Pessoas até 40 anos são 35% da força de trabalho, porém tem apenas 6,1% da riqueza.

A democracia e o capitalismo, ~em teoria~, permitem que mudemos isso, mas é muito raro que as mudanças sociais sejam tão rápidas, sem grandes distúrbios. Só que temos visto o padrão de concentração de poder econômico e político se alastrando no mundo.

Para o nosso azar, essas pessoas não parecem interessadas em garantir um equilíbrio ambiental, justiça climática e garantir acesso aos recursos naturais essenciais à vida humana.

Depositar grande parte das nossas esperanças nas expectativas de mudanças que podem levar 10, 15, 20 anos para começar a acontecer pode ser um tiro no escuro.

Saúde

Se você já está em contato com movimentos ambientalistas e climáticos, você pode ter ouvido falar de eco-ansiedade: um medo ou preocupação crônicos em relação à destruição ambiental. Um levantamento da Associação Norte Americana de Psiquiatria indicou que cerca de 67% dos jovens de 18 a 23 anos sofrem de eco-ansiedade (ou ansiedade climática). Outra pesquisa indicou que quase 60% dos jovens entre 16 e 25 anos têm “muita preocupação” ou “preocupação extrema” em relação às mudanças climáticas. Essa pesquisa indicou que o Brasil é um dos países onde os jovens mais sofrem com essa preocupação com o futuro ambiental, sendo que 67% dos jovens têm uma “preocupação extrema” com o tema. A pesquisa mostra também que 65% dos jovens concordam com a afirmação de que “os governos estão falhando em relação a eles”.

Apesar de isso em si não ser uma doença, esse quadro pode piorar outras condições emocionais e psiquiátricas. Se nós, que já somos adultos, crescemos sem essa preocupação, sofremos muito com ansiedade e muitos de nós já achamos complicado viver nesse mundo, acredito que os jovens já estarem passando por isso vai afetar muito a saúde e a vida deles.

Além da saúde mental, as mudanças climáticas afetam e afetarão a saúde física das crianças. Um relatório da UNICEF mostrou que o aumento de eventos extremos, enchentes, secas, incêndios florestais, doenças transmitidas por insetos (dengue, zica e outras), etc, prejudicarão seu crescimento e desenvolvimento.

Se as crianças hoje em dia já são prejudicadas a depender de sua raça, etnia, classe social, gênero, entre outros fatores, as mudanças climáticas se somarão a eles deixando suas vidas mais difíceis e complicadas.

Emergência

O último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), lançado em agosto deste ano, trouxe dados de observações sobre aspectos físicos do nosso planeta. O relatório não deixa dúvidas que as ações feitas pela sociedade estão mudando as condições da Terra. Esquentamos o planeta, o nível do mar está subindo, já temos ondas de calor mais intensas e frequentes…

Se antes discutíamos ações para parar o aquecimento global em 1,5º C (em relação a década de 1850-1900), agora temos quase certeza que devemos atingir essa marca. A luta agora é não exceder essas marcas. Dentre as projeções e modelos climáticos, podemos atingir marcas da até 5,7º C. Apesar de parecer que são poucos graus de variação, estamos falando aqui de temperaturas médias globais, 1º C já gera muitos problemas.

Partindo desse cenário, devemos diminuir as emissões de gases do efeito estufa agora! Países e cientistas já declararam estado de emergência climática, em especial em países insulares que estão sofrendo grandes impactos.

Agora é a hora

A gente não precisa minimizar a agência e a inteligência das crianças. É importante que elas tenham acesso a uma educação ambiental crítica e transformadora, que elas tenham contato com os ambientes e aprendam a respeitar toda forma de vida o quanto antes. Crianças e jovens do mundo todo já estão se mobilizando com as Greves pelo Clima (Fridays for Future). Temos referências como Greta Thunberg, Samela Sateré-Mawé, Paloma Costa, Catarina Lorenzo e muito mais jovens exigindo ação climática dos governos para agora.

O que eu quero frisar aqui é que não devemos deixar na mão delas que elas mudem o mundo por nós, adultos (isso mesmo, vc ai com quase trinta ou mais, não adianta dizer que você é jovem ainda).

Adênia negando a real-idade

Quanto mais tempo passa, na inércia desse sistema que estamos, maior será o trabalho para mitigar e nos adaptar às mudanças climáticas. Cada ano que passa bilhões de toneladas de CO₂ são emitidos para a atmosfera, milhões de hectares de florestas são destruídas, 8 milhões de toneladas de lixo chegam no oceano, entre muitas outras perdas que levarão anos, décadas e até séculos para que possamos nos recuperar delas.

Se o seu caso for o de alguém que não quer ter filhos, não quer dizer que você não tem que se preocupar com isso. Crianças são pessoas, tem pouco poder e, nós como sociedade, devemos garantir seus direitos. Deixar para os mais jovens lidarem com os impactos das mudanças climáticas é uma grande falta de solidariedade.

Como agir

Se você não tinha considerado a emergência em que estamos, ainda não está se mobilizando e não sabe muito por onde começar seguem algumas dicas:

Pra Se informar

Para saber mais sobre clima, mudança climática e o que está acontecendo você pode seguir:

  • O que você faria se soubesse o que sei? – Blog do Professor Alexandre Costa que também está no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube
  • Clímax Newsletter – assine pra receber emails escritos pela Bibiana Haygert com uma curadoria de notícias e discussões sobre a crise climática
  • Modefica – plataforma de moda e comportamento com foco em sustentabilidade e futuro

Se quiser me seguir nas redes sociais também estou ativa no instagram e no twitter.

Pra se mexer
  • Liga das Mulheres pelo Oceano – movimento em rede que integra os esforços de emancipação das mulheres e atua pela conservação do oceano. Também tem blog e Instagram
  • Famílias pelo Clima (Parents for Future Brasil) – grupo de pais que apoiam as mobilizações do Fridays for Future
  • Coalizões pela Clima – articulação ampla, suprapartidária e democrática, composta por diversos coletivos que debatem e promovem ações de informação e combate às mudanças climáticas. Já existem as seguintes coalizões: SP, RJ e BH-MG. Você pode organizar novas coalizões também 😉

As perspectivas podem não ser das melhores pra quem cresceu esperando que o mundo estava a caminho de ser mais pacífico e sustentável. Eu tenho quase certeza que vai ter um mundo no futuro, mas como ele vai ser vai depender da nossa ação de hoje.

Como você está se mobilizando aí?

Versão para Instagram e Twitter.


Foto de abertura: ART_of_ROSH em Unsplash


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Um comentário em “As crianças não vão nos salvar

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