À primeira vista achei que seria muito fácil escrever sobre a relação de mulheres e meio ambiente, pois sempre fui encantada pela Natureza, sempre percebi mais mulheres com esse mesmo encantamento e elas atuando em prol da proteção do equilíbrio ambiental. Só que não posso ignorar tudo o que tenho aprendido sobre papéis de gênero nos últimos anos e aí essa missão ficou quase impossível…
Existe um discurso que mulheres estão mais conectadas com a Natureza pela sua biologia ou ser corpo, confesso que esse discurso ressoou muito comigo por muito tempo, mas ele pode se tornar problemático, e talvez aborde em outro texto, por criar mais separações entre pessoas do que nos unir para lidar com os problemas ambientais que são urgentes e que estão nos impactando de forma desigual, especialmente sobre as mulheres.
Antes é preciso entender que os papéis de gênero são construídos na sociedade por diferenças percebidas entre as pessoas. Quem falar que é baseada no sexo biológico está ignorando a existência de pessoas intersexuais, mulheres com cromossomo sexual XY e homens XX, entre muitas outras variações que existem desde sempre no mundo.
Nossa sociedade se organiza pelos papéis de gênero (também por outros aspectos que precisam ser observados pela lente da interseccionalidade, mas vamos começar por esse – que achava que seria o mais fácil hahaha). Ainda hoje temos a percepção de profissões como sendo mais masculinas ou mais femininas. Muitas pessoas ainda olham para trabalhos domésticos como um afazer de mulheres. Eu precisaria de um post inteiro para explicar o que se sabe da origem e o que penso dessa generificação (quem sabe falo no futuro), mas pra economizar vamos partir de: as mulheres estão à frente das atividades de cuidado na nossa sociedade.
Por atividades de cuidado aqui são: preparar alimentação, limpeza e organização da casa e local de trabalho, ajudar com atividades educativas, dar atenção a crianças, auxiliar com atividades de higiene pessoal, levar para escola, hospital, exames e atividades sociais, comprar e lavar roupas, cuidar de animais domésticos, etc… a lista não acaba.

Tudo isso sem receber remuneração ou com uma remuneração desvalorizada por essas atividades. Homens também fazem essas atividades, mas quem está mais sobrecarregada com elas são as mulheres. Existe também outros fatores como classe social (mulheres em classes mais baixas são mais sobrecarregadas que mulheres de classes mais altas), racial, etc… por isso é importante uma análise interseccional.
Mulheres socialmente são mais treinadas e incentivadas a cuidar de outras pessoas que não só elas próprias. Elas sabem que se alguém ficar doente na sua família, são grandes as chances dela ter que parar suas atividades para cuidar desse alguém. Elas sabem que se a casa não estiver limpa e organizada as pessoas da casa podem ficar doentes e isso recair de alguma forma para ela resolver. Elas sabem que socialmente são cobradas pelas atividades de cuidado. Mulheres acabam tendo um olhar treinado para compreender as inter-relações entre cuidado, saúde, alimentação, higiene, atenção, entre outros.
É compreensível que mulheres entendam que os prejuízos ambientais podem impactar mais elas do que homens. Se a poluição do ar deixa crianças e idosos com mais chance de doenças respiratórias, isso pode recair sobre ela. Se a poluição das águas vai dificultar a limpeza de roupas e da casa e trazer doenças, isso pode sobrar pra ela resolver. Se o desmatamento pode aumentar a propagação de doenças como Dengue, isso pode a sobrecarregar mais.
Não é de se estranhar que mulheres estão na frente das lutas ambientais. Assim como é comum homens se sentirem desconfortáveis por agir de “forma sustentável” como: usar ecobags, se preocupar com reciclagem e com produtos de origem ética.
Por outro lado, as mulheres ainda recebem salários menores pela mesma função que seus pares homens. Mulheres encontram mais empecilhos para ter propriedade de terra. Mulheres ainda são minorias nas posições de tomada de decisão, como líderes políticas e de organizações que têm o poder de influenciar para ações efetivas contra o colapso ambiental. Além de elas terem renda menor, elas têm menos tempo disponível por estarem sobrecarregadas com atividades de cuidado.
Entender que as mulheres cuidam mais da Natureza não por uma afinidade natural delas, mas por uma série de condições sociais, pode tornar as decisões de políticas públicas mais efetivas, trazer mais mulheres para o centro do debate e mostrar aos homens a participação deles na resolução desses desafios.
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